CARTAS DA PRESIDÊNCIA

Quarta Carta da Presidência Brasileira

20 de junho de 2025

Prezadas amigas, prezados amigos,

Em minha quarta carta à comunidade internacional, a Presidência brasileira da 30ª sessão da Conferência das Partes (COP30) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) reafirma o compromisso de impulsionar nosso Mutirão Global contra a mudança do clima com um apelo não apenas às Partes da UNFCCC, mas também a todos aqueles dispostos a agir decisivamente diante da urgência climática, por meio de uma Agenda de Ação ambiciosa e integrada na COP30.

Em maio de 2024, quando inundações históricas devastaram o Rio Grande do Sul, as águas fizeram desaparecer os limites entre ruas e rios, mas não a determinação do povo. As pessoas responderam coletivamente, numa cadeia de mutirões que desafiaram o caos trazido pela intempérie. Homens, mulheres, jovens, servidores de todos os níveis de governo, empreendedores — voluntariaram-se todos, valendo-se de suas diferentes capacidades e esforços, lançando mão de instituições públicas, serviços, infraestrutura e tecnologia para responder rapidamente, ajudando a todos, especialmente os mais vulneráveis. Quando a água finalmente baixou, deixou para trás mais do que lama e ruína. A alquimia da solidariedade tornou-se a base sobre a qual as pessoas começaram a reconstruir o que a água levou. Aprendeu-se então que o real valor estava no poder da unidade, mais que na força individual.

Com base no legado da COP20 (Lima 2014), a comunidade internacional reconheceu, há dez anos, na COP21, que a transformação necessária para combater a mudança do clima requer ações, soluções e parcerias de toda a sociedade, para muito além dos governos nacionais. O Acordo de Paris marcou então uma nova era na resposta coletiva à mudança do clima, ao mesmo tempo em que inaugurou uma Agenda Global de Ação Climática, coletiva e coordenada, para envolver todos os setores da economia, todos os segmentos da sociedade e todos os níveis de governo, em direção a objetivos climáticos multilaterais.

Nesses dez anos, testemunhamos um crescimento exponencial no engajamento, iniciativas e inovações de uma ampla de gama de atores, tanto no setor público quanto no privado. Devemos celebrar e aplaudir aqueles que ajudaram a inovar e liderar esses esforços. Como observei em minhas cartas anteriores, apesar das notáveis conquistas e avanços, ainda estamos fora da trajetória para atingir os objetivos do Acordo de Paris. Para corrigir a rota, o mundo precisa aumentar exponencialmente a escala e a velocidade desses esforços, de forma a cumprir os compromissos que assumimos.

A Presidência da COP30 está trabalhando para garantir que a Agenda de Ação, juntamente com todas as outras dimensões da COP30, contribua para colocar em prática o que pactuamos coletivamente até agora. Ao fortalecer o multilateralismo, conectar a UNFCCC à vida das pessoas e acelerar a implementação do Acordo de Paris, a Agenda de Ação da COP30 não medirá esforços para enfrentar três grandes desafios: (i) Alinhar a Agenda de Ação ao que já acordamos coletivamente sob sucessivas COPs da UNFCCC e o Acordo de Paris; (ii) Alavancar as iniciativas existentes para acelerar e ampliar a implementação climática; e (iii) Dar impulso à transparência, ao monitoramento e ao cumprimento de compromissos e iniciativas, existentes e novos.

Para enfrentar esses desafios, a Presidência da COP30 concebeu uma Agenda de Ação que leva em conta as precedentes, honrando o legado inestimável já construído e, ao mesmo tempo, voltando seu escopo para o futuro: em vez de simplesmente complementar as negociações, a Agenda de Ação deve implementar ativamente os compromissos acordados, com foco no Primeiro Balanço Global (GST) do Acordo de Paris.

O GST: Nossa NDC Global

O primeiro Balanço Global (GST) é nossa bússola para a Missão 1.5. Ele orienta nossos esforços coletivos para perseguir os objetivos do Acordo de Paris, no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza. A Agenda de Ação deve criar a motivação coletiva para a plena implementação do GST. Deve mobilizar todas as partes interessadas para trabalhar ao lado dos governos em prol de causas globais, como interromper e reverter o desmatamento e a degradação florestal até 2030. Também deve apoiar a aceleração da transição energética em todo o mundo, incluindo a triplicação da capacidade global de energia renovável, a duplicação da taxa média anual global de melhorias na eficiência energética até 2030 e a transição para o afastamento dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, de maneira justa, ordenada e equitativa.

Importante recordar que se, por um lado, o GST reafirmou o compromisso dos governos com o multilateralismo, também sublinhou, por outro, a contribuição inestimável das demais partes interessadas — particularmente a sociedade civil, empresas, instituições financeiras, cidades e autoridades subnacionais, povos indígenas, comunidades locais, jovens e instituições de pesquisa — no apoio aos governos e na contribuição para um progresso coletivo e significativo em direção aos objetivos do Acordo de Paris; na construção de respostas aos efeitos já existentes das mudanças climáticas; e no aumento da ambição — inclusive por meio de sinergias com outros processos intergovernamentais. O GST também registra positivamente os atuais esforços internacionais de cooperação e as iniciativas voluntárias para aprimorar a ação climática, por parte de atores governamentais e não governamentais, através do compartilhamento de informação, melhores práticas, experiências, lições aprendidas, recursos e soluções. Por fim, insta todas as partes interessadas a se unir na busca de resultados por meio de ações inclusivas, cooperativas, em planos variados e sensíveis a questões de gênero.

A Presidência da COP30 convida todas as partes interessadas, governamentais ou não, a trabalhar conjuntamente para a plena implementação do Acordo de Paris e do GST, não apenas nas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) dos países e na cooperação internacional, mas também em compromissos voluntários no âmbito da Agenda de Ação. Nosso objetivo é imprimir uma nova dinâmica à ação climática global, alinhando os esforços feitos por empresas, sociedade civil e todos os níveis de governo em uma ação coordenada — um mutirão global em torno da realização do GST como uma “NDC Global”, ou melhor, uma “GDC” — a “contribuição globalmente determinada” do mundo. Como a constelação do Cruzeiro do Sul, o GST deve ser posicionado como a bússola orientadora global para ampliar nossa ambição multilateral, nossa ação conjunta e nossa avaliação coletiva do progresso nos cinco pilares da UNFCCC: mitigação, adaptação, finanças, tecnologia e capacitação.

O GST possibilita um alinhamento global na ação e na ambição climáticas, ao mesmo tempo em que ajuda a aumentar a transparência e a consistência das iniciativas relacionadas ao clima em todo o mundo. Usando o GST como referência, poderemos transformar a ação climática, passando da cacofonia a uma sinfonia bem orquestrada — na qual as negociações multilaterais dão o tom, e as NDCs e a Agenda de Ação fornecem os instrumentos.

Uma Agenda, Seis Eixos

Para apoiar a plena implementação do GST, a Agenda de Ação da COP30 será moldada como um "celeiro de soluções" — um repositório de iniciativas concretas que conectam a ambição climática com oportunidades de desenvolvimento em investimentos, inovação, finanças, tecnologia e capacitação. Guiada pelo teor do GST, a Presidência da COP30 propõe que a Agenda de Ação seja organizada em seis eixos temáticos que abrangem mitigação, adaptação e meios de implementação: (i) Transição nos Setores de Energia, Indústria e Transporte; (ii) Gestão Sustentável de Florestas, Oceanos e Biodiversidade; (iii) Transformação da Agricultura e Sistemas Alimentares; (iv) Construção de Resiliência em Cidades, Infraestrutura e Água; (v) Promoção do Desenvolvimento Humano e Social; e, finalmente, o eixo transversal, (vi) Catalisadores e Aceleradores, incluindo Financiamento, Tecnologia e Capacitação.

Essa estrutura traz um enfoque singular, baseado no GST, para promover transformação sistêmica e ampla participação. Assim, as soluções oferecidas para contribuir com a implementação do GST devem ser concretas, ambiciosas, concebidas para gerar impacto global, baseadas na melhor ciência disponível e fundadas nas sinergias entre ação climática e desenvolvimento sustentável.

O Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) revela que “enfoques [de ação climática] que alinham objetivos e ações entre setores criam oportunidades de benefícios múltiplos em larga escala, evitando efeitos negativos de curto prazo”. De acordo com o relatório, a ação climática transversal aumenta os co-benefícios em cascata entre os setores; evita abordagens isoladas e fragmentadas com impacto sistêmico limitado; e promove interconexões efetivas entre as dimensões econômica, social e ambiental do desenvolvimento sustentável.

O combate à fome e a promoção da segurança alimentar, por exemplo, são um indutor fundamental de resiliência e um objetivo de longo prazo nos termos do Artigo 2.1(b) do Acordo de Paris. Um exemplo de iniciativa concreta concebida para enfrentar os desafios da segurança alimentar relacionados ao clima é a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, lançada no Rio de Janeiro em 2024 sob a Presidência brasileira do G20. A Aliança oferece um portfólio de soluções comprovadas que integram proteção social, segurança alimentar, agricultura familiar resiliente ao clima e meios de subsistência sustentáveis, demonstrando como a ação climática pode oferecer benefícios amplos e replicáveis em várias dimensões do desenvolvimento sustentável.

A implementação de iniciativas sob a Agenda de Ação deve ser concebida com flexibilidade e adaptabilidade a diferentes contextos geográficos, econômicos e sociais. A natureza multifacetada do desafio climático exige que soluções inovadoras sejam adaptadas de acordo com as circunstâncias regionais, nacionais e locais, de forma a beneficiar mais comunidades e países. Nossa intenção é mostrar um conjunto de ações replicáveis e que possam ter ganho de escala em diferentes níveis, dentro de uma estrutura que combine soluções específicas com um processo coerente para monitorar o progresso global.

É especialmente importante ressaltar que as iniciativas sob a Agenda de Ação da COP30 devem ser regidas pelos imperativos éticos e científicos da transição justa e da equidade. Devem lidar com as desigualdades estruturais que exacerbam a vulnerabilidade à crise climática a que estão expostos grupos, países e regiões específicos. Uma distribuição equilibrada dos custos e benefícios envolvidos na transição para economias de baixo carbono e resilientes ao clima nos permitirá construir um futuro mais justo, inclusivo e seguro.

Uma Agenda Fundada em Soluções para Acelerar a Ação

É hora de trabalharmos juntos por uma Agenda de Ação Climática Global orientada para soluções e que esteja à altura dos desafios que temos pela frente. A arquitetura proposta para a Agenda de Ação da COP30 traz uma estrutura mais simplificada e integrada, que reúne os esforços das presidências de COP, dos Campeões de Alto Nível, dos governos e demais atores em uma “contribuição globalmente determinada”, coerente e vigorosa, para acelerar a implementação do Acordo de Paris em todo o mundo. Deve criar o espaço necessário para que todos os atores se conectem e trabalhem em uníssono, fazendo balanço regular do progresso alcançado.

A Presidência da COP30 também pretende dar relevo a uma série de soluções que podem estar em condição de contribuir de forma singular para a aceleração da ação climática nos seis eixos propostos. Os trinta objetivos-chave identificados sob esses seis eixos refletem a amplitude e a profundidade da ação necessária para implementar os resultados do GST e o Acordo de Paris rapidamente, em toda parte e para todos. Esses objetivos foram escolhidos para evidenciar “pontos de superalavancagem” promissores, nos quais a implementação acelerada, a cooperação aprimorada e o apoio direcionado possam impulsionar uma transformação sistêmica. Também incluem áreas em que a experiência do Brasil pode contribuir com soluções concretas. Convidamos outros países, regiões, cidades, empresas, investidores e comunidades a se juntarem ao mutirão da Agenda de Ação, contribuindo com o que puderem para a luta climática global.

Os 30 objetivos-chave para a COP30 são os seguintes:

I. Transição nos setores de energia, indústria e transporte: (1) triplicar renováveis e duplicar eficiência energética; (2) aceleração de tecnologias de zero e baixas emissões em setores de difícil descarbonização; (3) assegurar o acesso universal a energia; e (4) transição para o afastamento dos combustíveis fósseis, de forma justa, ordenada e equitativa.

II. Gestão sustentável de florestas, oceanos e biodiversidade: (5) investimentos para parar e reverter o desmatamento e a degradação florestal; (6) esforços para conservar, proteger e restaurar a natureza e ecossistemas com soluções para o clima, biodiversidade e desertificação; e (7) esforços para preservação e restauração de oceanos e ecossistemas costeiros.

III. Transformação da Agricultura e sistemas alimentares: (8) recuperação de áreas degradadas e agricultura sustentável; (9) sistemas alimentares mais resilientes, adaptados e sustentáveis; e (10) acesso equitativo a alimentação adequada e nutrição para todos.

IV. Construção de resiliência em cidades, infraestrutura e água: (11) governança multinível; (12) construções e edificações sustentáveis e resilientes; (13) desenvolvimento urbano, mobilidade e infraestrutura resilientes; (14) gestão da água; e (15) gestão de resíduos sólidos.

V. Promoção do desenvolvimento humano e social: (16) promoção de serviços de saúde resilientes; (17) redução dos efeitos da mudança do clima na erradicação da fome e da pobreza; (18) educação, capacitação e geração de empregos para enfrentar a mudança do clima; (19) cultura, patrimônio cultural e ação climática.

VI. Objetivos Transversais – Catalisadores e aceleradores, incluindo financiamento, tecnologia e capacitação: (20) finanças climáticas e sustentáveis, com integração sistemática do clima em investimentos e seguros; (21) financiamento para adaptação; (22) compras governamentais integrando o clima; (23) harmonização de mercados de carbono e de padrões de contabilidade de carbono; (24) clima e comércio; (25) redução de gases não-CO²; (26) governança, capacidade do Estado e fortalecimento institucional para a ação climática, planejamento e preparação; (27) inteligência artificial, infraestrutura pública digital e tecnologias digitais; (28) inovação, empreendedorismo climático e micro e pequenas empresas; (29) bioeconomia e biotecnologia; (30) integridade da informação em assuntos climáticos.

Mobilização para a Ação, Construção Coletiva do Futuro

A Presidência da COP30 acredita que esses objetivos-chave oferecem uma moldura estruturada e inclusiva que permitirá mobilizar a ação coletiva. Convidamos todas as iniciativas e coalizões criadas em COPs anteriores, que reúnem milhares de governos subnacionais, empresas, investidores, ONGs e comunidades, a acelerar a implementação nessas áreas e a apresentar suas soluções. Em breve vamos convidá-los a participar dos Grupos de Ativação em cada objetivo-chave e moldar conosco os resultados da COP30.

A Presidência da COP30 trabalhará lado a lado com os Campeões de Alto Nível na Agenda de Ação. Dan Ioschpe e Nigar Arpadarai publicarão em breve o programa de trabalho da Parceria de Marrakech para a Ação Climática Global, detalhando ainda mais nossos planos. Também contaremos com o apoio e a liderança da Campeã da Juventude, dos Enviados Especiais da COP30 e dos Círculos anunciados em minha segunda carta, para mobilizar governos, sociedades e agentes econômicos e implementar soluções, monitorar seu progresso e garantir que ninguém seja deixado para trás. Somente com o engajamento de todos podemos mobilizar a ação necessária para acelerar a implementação do Acordo de Paris. Instamos todos os atores a que se concentrem no acompanhamento e na implementação de iniciativas, compromissos e declarações existentes.

Com os olhos no horizonte, esperamos que a nova arquitetura proposta para a Agenda de Ação possa orientar o futuro da ação climática global. A Presidência realizará consulta abrangente com governos e demais partes interessadas, liderada pelos dois campeões de alto nível da COP29 e da COP30, para definir uma visão clara e um plano para os próximos cinco anos da Agenda de Ação. Receberemos contribuições e ideias que ajudem a moldar uma Agenda de Ação orientada para soluções e com foco na plena implementação do GST.

Convidamos todos a participar ativamente, tanto na construção da nova agenda quanto no lançamento das bases desta década crítica de exponencial progresso climático. Devemos reagir decisivamente, por meio de uma Agenda de Ação ambiciosa, integrada e orientada para soluções, à altura da urgência e da magnitude das mudanças climáticas. Seguindo a ciência e acelerando ações, vamos demonstrar que podemos trabalhar juntos para alcançar objetivos compartilhados e implementar integralmente o GST, nossa "contribuição globalmente determinada".

Que a COP30 seja o momento em que inauguramos uma nova era em que a ação coletiva se torna nossa solução climática mais duradoura. A hora do mutirão pela Agenda de Ação é agora.

André Aranha Corrêa do Lago
Presidente Designado da COP30