CÚPULA DO CLIMA DA ÁFRICA

Unidade continental e busca por justiça financeira marcam Cúpula do Clima da África, em Adis Abeba, na Etiópia

A segunda Cúpula do Clima da África, em Adis Abeba, reuniu na abertura mais de 45 chefes de Estado que defenderam a justiça climática e apresentaram soluções próprias do continente. África e Brasil ressaltaram laços históricos e o potencial africano em energia renovável. O desafio é transformar promessas globais em financiamento real e acessível

Em Adis Abeba, líderes africanos defendem voz unificada por justiça climática e financiamento justo - Foto: Felipe Werneck / PCOP
Em Adis Abeba, líderes africanos defendem voz unificada por justiça climática e financiamento justo - Foto: Felipe Werneck / PCOP

Por Leandro Molina / COP30 Brasil

Em um tom de solidariedade e urgência, o presidente designado da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, fez sua participação na abertura da segunda Cúpula do Clima da África, em Adis Abeba, na Etiópia, nesta segunda-feira, 8/9, destacando os laços históricos entre o Brasil com a África. "A África faz parte da nossa identidade", afirmou. A mensagem principal foi um chamado à ação conjunta. "Quando a África fala com uma só voz, o mundo precisa ouvir", pontuou o embaixador.

Corrêa do Lago delineou as três prioridades brasileiras para a COP30, que será realizada em Belém: reforçar o multilateralismo climático, conectar as negociações à economia real e à vida das pessoas, e acelerar a implementação do Acordo de Paris. "Alguns atores ficariam felizes em ver o multilateralismo fracassar. Juntos, podemos provar que eles estão errados", declarou, defendendo o sistema multilateral como o único caminho viável.

O embaixador brasileiro foi enfático ao destacar a "injustiça climática" que assola o continente. "O mundo precisa lutar contra a mudança do clima pela África, porque a contribuição africana para o aquecimento global é absolutamente mínima", afirmou. Ele apontou o "paradoxo de abundância e privação" que desafia a África, um continente riquíssimo em recursos naturais, mas com graves indicadores sociais, realidade que ecoa a da Amazônia brasileira.

A fala do presidente da COP30 ecoou o sentimento central dos líderes africanos presentes. A África não deve ser vista como mera vítima da crise climática, mas como um continente de soluções. O presidente do Quênia, William Ruto, lembrou que a Cúpula de Nairóbi, em 2023, reposicionou a África como um "poder no marco global". No entanto, ele alertou para o cenário internacional volátil. "Precisamente quando a escala da crise climática exige mais cooperação, a solidariedade é desmantelada. A isolação não é uma estratégia. É uma falha", frisou.

Cúpula do Clima da África é aberta em Adis Abeba com apresentações vibrantes da cultura local - Foto: Felipe Werneck / PCOP
Cúpula do Clima da África é aberta em Adis Abeba com apresentações vibrantes da cultura local - Foto: Felipe Werneck / PCOP

A cúpula busca consolidar os compromissos da Declaração de Nairóbi, firmada em 2023 durante a primeira edição do encontro, que definiu uma posição unificada do continente frente à emergência climática. Entre as prioridades está a expansão da capacidade de energia renovável para 300 gigawatts até 2030, garantindo acesso universal à energia e apoiando a industrialização verde. Essa transição energética, segundo os organizadores, é vista como irreversível e essencial para estimular a criação de empregos, fortalecer economias locais e reduzir a dependência de combustíveis fósseis.

O presidente da Comissão da União Africana, H.E. Mahmoud Ali Youssouf, apresentou dados contundentes para embasar a demanda por justiça. Segundo ele, a África contribui com apenas 4% das emissões globais, mas precisa de US$ 300 bilhões para financiar seus planos de adaptação. "As prioridades do continente são pronunciadas", disse, citando a agricultura inteligente, a transição energética e a economia azul. Ele defendeu a criação de um fundo de perdas e danos robusto e um sistema de crédito de carbono gerido por uma instância internacional independente.

O primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed Ali, foi um dos que mais encapsulou a visão de uma África protagonista. "Não estamos aqui para negociar a nossa sobrevivência. Estamos aqui para desenvolver o mundo do próximo clima", proclamou. Ele apresentou iniciativas domésticas como prova do potencial africano, como o "Green Legacy", que já plantou 48 bilhões de árvores, e o futuro "Grande Projeto Esquadrão", uma barragem que gerará 5.000 MW de energia renovável. "A África pode ser o primeiro continente a industrializar sem destruir seus ecossistemas", propôs, lançando a ideia de um "Pacto de Soluções" continental para ativar inovações em energia, agricultura e água.

A ministra etíope de Planejamento e Desenvolvimento, Fitsum Assefa, destacou o papel do continente na busca por soluções próprias para a crise climática. “A Etiópia tem a honra de receber esta reunião histórica, que mostra soluções africanas e mobiliza financiamento em escala. Nestes três dias, vamos transformar ideias em ação e levar a voz unificada da África às plataformas globais”, assegurou.

Ofertas e demandas concretas

Os discursos convergiram em demandas específicas à comunidade internacional:

1. Reforma da Arquitetura Financeira: redução do custo do capital, expansão de financiamento concessionário (doações e empréstimos com juros baixos), alívio da dívida e remoção de barreiras burocráticas para acessar recursos.

2. Operacionalização de Perdas e Danos: implementação rápida e direta do fundo acordado na COP27, canalizando recursos para países já atingidos por desastres climáticos irreversíveis.

3. Investimento em Soluções Existentes: os líderes pediram que os parceiros parem de vê-los apenas como destinatários de ajuda e passem a investir em suas soluções. "Nós pedimos aos nossos parceiros não nos atingir porque estamos impactados, mas para investir conosco porque somos visionários", resumiu Abiy Ahmed.

O presidente da Somália, Hassan Sheikh Mohamud, exemplificou a cruel ironia da crise climática. Ele disse que seu país tem emissões insignificantes, mas é um dos mais afetados, com secas severas recentes deslocando milhões de pessoas. Ele detalhou planos nacionais para energia renovável e restauração de paisagens, mas enfatizou que dependem de financiamento internacional para sair do papel.

A sociedade civil, representada por Mujica Poyla, apresentou um contraponto necessário, exigindo responsabilidade. "A declaração de Nairóbi foi visionária, mas muitas das promessas são realistas? A África não pode entrar em outro ciclo de promessas", observou. Ele defendeu que a declaração de Adis Abeba deve ser nítida em "o que" será feito, "quando" e "com quem", incluindo ativamente mulheres, jovens e comunidades indígenas no processo decisório.

O caminho para a COP30

Presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, defende ação global e reforça voz unificada da África na cúpula - Foto: Felipe Werneck / PCOP
Presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, defende ação global e reforça voz unificada da África na cúpula - Foto: Felipe Werneck / PCOP

Corrêa do Lago ainda enfatizou que o Brasil está preparando uma "COP da Implementação" e abraçará as prioridades africanas. "Queremos ter um celeiro de soluções, e tenho certeza de que o mundo ficará surpreso com o que países como o Brasil e o continente africano podem apresentar", salientou.

A realização da cúpula também reforça a conexão entre os “dois pulmões do planeta”: a Amazônia, no Brasil, e a floresta do Congo, na África. Ambos os biomas desempenham papel crucial na regulação climática global e aproximam os continentes na defesa de políticas mais robustas contra a crise climática.

A mensagem que sai de Adis Abeba é única: a África está se unindo não para pedir caridade, mas para exigir justiça climática e oferecer parceria. Ela chega à mesa global com um vasto potencial de energias renováveis, soluções baseadas na natureza e uma população jovem e inovadora. O desafio agora é saber se o mundo — especialmente as nações desenvolvidas — ouvirá essa voz unificada e transformará suas promessas em financiamento real e acessível.