Marcha em Belém reúne 70 mil em defesa da justiça climática
Mobilização internacional denuncia falsas soluções de mercado e cobra transição energética justa, proteção dos territórios e fim dos combustíveis fósseis

No dia 15 de novembro, Belém despertou ao ritmo de tambores e dos instrumentos maracás , passos firmes e palavras de ordem. Mais de 70 mil pessoas deram vida à Marcha dos Povos pela Justiça Climática: um rio humano convocado pela Cúpula dos Povos, uma onda que atravessou as ruas como um chamado da Terra ferida.
Ao longo de 4,5 quilômetros, a cidade-sede da Conferência da ONU sobre o Clima (COP30) tornou-se um mosaico de 65 países: rostos pintados, cocares, bandeiras, mãos que se encontram e pipas que voam com mensagens pela justiça climática. Povos indígenas, quilombolas, pescadores, trabalhadores, jovens, mulheres, representantes de organizações e movimentos sociais — um entrelaçamento de histórias e resistências que levou ao mundo uma única voz, clara e urgente: defender soluções reais para a crise climática, defender a vida.
Os protagonistas, mobilizados em uma ampla rede de organizações da sociedade civil, marcharam com um apelo comum: exigir reparação pelos danos que empresas e governos causam à sociedade, especialmente às comunidades tradicionais e marginalizadas, apostando em “falsas soluções” que não eliminam os impactos, mas os agravam.
A Marcha Global pela Justiça Climática reafirma que não há mais tempo para ilusões. As chamadas soluções de mercado — créditos de carbono, compensações florestais, geoengenharia, privatização dos territórios — aprofundam desigualdades, permitem que grandes poluidores continuem a poluir e deslocam comunidades inteiras em nome de uma “transição” que nada mais é do que greenwashing.
No centro das reivindicações, estão a demanda por uma transição energética justa e inclusiva, a proteção dos territórios, a demarcação das terras indígenas, um financiamento climático público e equitativo, o combate ao racismo ambiental e às desigualdades. Este último tema foi mencionado diversas vezes durante a marcha e refere-se a uma prática sistêmica, muitas vezes invisível, que expõe comunidades marginalizadas a maiores riscos ambientais — como poluição, desmatamento e falta de acesso aos recursos naturais — negando-lhes o direito a viver em um ambiente saudável e seguro.
A marcha foi inaugurada pelas vozes de Sônia Guajajara, Ministra dos Povos Indígenas, e Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, que afirmaram seu apoio à mobilização, reconhecendo que a rua é um espaço essencial para defender a democracia e a justiça climática.

Guajajara declarou: “Este lugar agora se torna a zona azul da COP30, onde estão os guardiões e as guardiãs da vida”. A zona azul dentro da COP30 é onde ocorrem as negociações oficiais e onde o acesso da sociedade civil é limitado. No sábado, 15 de novembro, durante a marcha, a verdadeira zona azul tornou-se a rua, onde a participação das pessoas — de todas as partes do mundo e representantes de diferentes povos e movimentos sociais — era palpável.
Marina Silva reforçou o apelo do presidente Lula para que esta seja a COP da verdade, centrada no fim dos combustíveis fósseis e na implementação real dos compromissos globais, até agora válidos apenas no plano teórico. A ministra reiterou que o movimento indígena e os povos tradicionais são aqueles que resistem às feridas provocadas pela ganância. Silva afirmou: “Em outras COPs, as manifestações aconteciam apenas nos espaços da ONU. Agora, no Brasil, um país do Sul Global, de uma democracia conquistada e consolidada, elas acontecem nas praças e nas ruas.” Segundo a ministra, “precisamos construir o mapa do caminho para a transição, para o fim da dependência de carvão, petróleo e gás. É fundamental que o mundo demonstre que estamos realmente prontos para nos adaptar. Nosso compromisso é desmatamento zero.”
Neste domingo está prevista a entrega do documento da Cúpula dos Povos ao presidente da COP30, André Corrêa do Lago: um documento político que reivindica a responsabilização histórica dos países ricos e denuncia que, enquanto as empresas lucram com a crise, são os povos dos territórios que suportam seus impactos mais violentos — inundações, secas extremas, perda de biodiversidade e insegurança alimentar.
Diversos movimentos sociais participaram da marcha, todos trazendo uma mensagem e exigindo uma justiça climática justa e inclusiva. Como Ayala Ferreira, da Direção Nacional do Movimento Sem Terra (MST), que afirma: “Nós do MST marchamos porque sabemos que a luta pela terra, pela água e pela comida de verdade é a mesma luta pela justiça climática. Os povos dos territórios já demonstraram que existem soluções reais para enfrentar a crise, enquanto governos e empresas insistem em propor falsas promessas que aumentam a fome, expulsam comunidades e destroem a natureza. Marchamos em solidariedade internacional, unindo trabalhadores do campo e da cidade, os povos da Amazônia e companheiras e companheiros de todo o mundo, para afirmar que a vida não é mercadoria e que a saída da crise está na força dos territórios.”
Araê Cupim, do Movimento pela Soberania na Mineração (MAM), destaca a importância de marchar e lutar “pelos direitos da classe trabalhadora, a mais afetada pelas questões climáticas, e pelos direitos da natureza — afinal, somos parte dela.” Segundo ele, marchar significa também “denunciar e combater todas as opressões e preconceitos, porque acreditamos em outra sociedade, que não seguirá os modelos atuais do sistema de produção capitalista.”
Sebastián Ordóñez Muñoz, representante da organização War on Want, lembra que caminhar juntos é essencial “para consolidar nossa força coletiva: povos indígenas, quilombolas, comunidades ribeirinhas, movimentos camponeses, feministas, jovens, sindicatos, comunidades negras e periféricas, pessoas migrantes, LGBTQIA+, trabalhadoras e trabalhadores das cidades e do campo, organizações do Brasil e do mundo. Na nossa diversidade, marchamos como um único corpo político.”
Os relatos coletados durante a manifestação pela equipe da Agência Jovem de Notícias, que acompanha tanto as negociações da ONU quanto a Cúpula dos Povos, são inúmeros, mas todos parecem seguir o mesmo fio condutor, evidência da convergência de perspectivas, mesmo entre pessoas de contextos muito distintos.
As opiniões expressas neste artigo são do próprio escritor. O conteúdo foi publicado originalmente na Agência Jovem de Notícias.
