MOBILIZAÇÃO SOCIAL

Educação e resistência na Amazônia urbana: experiências da comunidade brasileira Vila da Barca

Artigo relata visita à comunidade brasileira Vila da Barca, em Belém (PA), onde o Instituto Mundos desenvolve ações de educação audiovisual e mobilização social com crianças e jovens. A instituição transforma a relação com a água em instrumento de cidadania climática

Na biblioteca comunitária Barca Literária, em Vila da Barca, a leitura e o audiovisual fortalecem o protagonismo de crianças e jovens da Amazônia urbana. Foto: Margo Blaha.
Na biblioteca comunitária Barca Literária, em Vila da Barca, a leitura e o audiovisual fortalecem o protagonismo de crianças e jovens da Amazônia urbana. Foto: Margo Blaha.

Por Margo Blaha, da Agência Jovem de Notícias (Viração Educomunicação)

Em uma visita à comunidade brasileira de Vila da Barca, no bairro do Telégrafo, em Belém (PA), encontrei histórias que unem cultura, território e educação ambiental. Às margens da Baía do Guajará, onde as casas se erguem sobre palafitas, o Instituto Mundos — fundado pelo cineasta Igor Amin — desenvolve projetos de educação audiovisual e iniciativas comunitárias que dão voz a crianças e jovens da Amazônia urbana. A partir da água, elemento vital e simbólico da região, o trabalho propõe novas formas de olhar para o meio ambiente, o pertencimento e a justiça climática.

Instituto Mundos: a água como fio condutor

Criado em 2006, o Instituto Mundos conecta audiovisual, educação e natureza em ações que unem formação, arte e engajamento social. Em sua trajetória, a organização vem estimulando crianças e adolescentes a se expressarem por meio da linguagem cinematográfica e a reconhecerem o ambiente natural como parceiro de aprendizado.

Atualmente, o foco do trabalho é a água - vista não apenas como recurso físico, mas como elo entre território, memória e cultura. Igor Amin descreve esse movimento como uma “educação audiovisual da água”, em que cada oficina, filme e diálogo amplia o entendimento sobre o papel das comunidades ribeirinhas e urbanas na preservação do meio ambiente.

O cineasta e educador Igor Amin, fundador do Instituto Mundos, conduz projetos que unem audiovisual, infância e território na Amazônia. Foto: Margo Blaha.
O cineasta e educador Igor Amin, fundador do Instituto Mundos, conduz projetos que unem audiovisual, infância e território na Amazônia. Foto: Margo Blaha.

Entre as produções do Instituto está o filme A Mensagem de Jequi, realizado com crianças de comunidades quilombolas, que aborda a relação entre água, ancestralidade e identidade. “Mais do que cinema, é uma pesquisa sobre como o audiovisual pode fortalecer a educação e a cidadania climática”, explica o diretor.

Vila da Barca: um território vivo

O bairro do Telégrafo, onde está localizada Vila da Barca, abriga cerca de 40 mil moradores. Ali, a cidade se encontra com a maré: pequenas casas sobre palafitas formam corredores de madeira, e o cotidiano é moldado pelas oscilações da água.

Nos últimos anos, a região recebeu obras de pavimentação e drenagem, mas ainda enfrenta graves desigualdades ambientais e urbanas. O esgoto é lançado diretamente na baía, e há projetos de aterro sanitário nas proximidades - situação que expõe, de forma concreta, o que especialistas chamam de racismo ambiental: a concentração dos impactos da degradação em comunidades vulneráveis.

A ênfase de Igor na série de filmes dedicada à água assume, portanto, um significado urgente. Não se trata de um conceito abstrato: a água é a ligação entre território e injustiça.

As exibições de filmes infantis sobre água, a biblioteca comunitária, as mobilizações culturais: tudo isso se torna uma corrente contrária à marginalização.

Barca Literária: leitura e pertencimento

Ao lado das palafitas, um espaço de conhecimento flutua sobre as águas: a Barca Literária, biblioteca comunitária criada durante a pandemia para ampliar o acesso à leitura entre crianças e adolescentes. Administrada por voluntários, a iniciativa se expandiu e hoje oferece grupos de leitura, oficinas e formações culturais.

Livros da Barca Literária simbolizam o acesso à educação e à cultura nas comunidades ribeirinhas de Belém. Foto: Margo Blaha
Livros da Barca Literária simbolizam o acesso à educação e à cultura nas comunidades ribeirinhas de Belém. Foto: Margo Blaha

A biblioteca também integra as Zonas Amarelas da COP30 - espaços promovidos pela sociedade civil que ampliam o debate climático para além das áreas oficiais do evento. Em Vila da Barca, a Barca Literária simboliza a presença da educação como ferramenta de transformação e pertencimento, um ponto de encontro onde livros, saberes e experiências locais se entrelaçam.

Educação, cultura e resiliência

As ações do Instituto Mundos e da Barca Literária se somam a outras formas de resistência cultural e ambiental. Oficinas, produções audiovisuais e atividades comunitárias formam uma rede de aprendizado coletivo, onde as crianças deixam de ser espectadoras para se tornarem criadoras de suas próprias histórias.
Na Vila da Barca, a criatividade surge como resposta à escassez, e a arte se transforma em instrumento de dignidade.

Mais do que um relato sobre vulnerabilidade, o que se vê é um território em movimento: um lugar onde o cinema, a leitura e a memória das águas constroem pontes entre o local e o global, entre a Amazônia e o mundo.

Em cada rosto, uma história de resistência. Em cada gesto, a prova de que o futuro climático também se escreve nas margens.