Cúpula em Adis Abeba pressiona por financiamento real para adaptação climática na África
Evento na Etiópia debate como transformar acordos globais em ação prática, com África exigindo que adaptação e resiliência sejam tratadas como investimento, não como caridade

Por Leandro Molina / COP30 Brasil
Na Cúpula do Clima da África, realizada nesta semana, em Adis Abeba, capital da Etiópia, os debates sobre financiamento de plataformas nacionais e adaptação em escala revelaram impasses da justiça climática global, como a distância entre os discursos dos acordos e a efetiva disponibilização de recursos.
Líderes africanos, representantes da sociedade civil e do setor financeiro elaboraram um quadro de urgência para cobrar caminhos concretos para uma mudança de paradigma, pressionando por uma transição das comissões de debate para a prática. Alice Amorim, diretora de Programa da COP30, definiu o tom ao abrir a sessão. Ela articulou a ambição de fazer da conferência de Belém um marco de implementação.
"O que estamos tentando fazer é o oposto agora. É usar o que já foi concluído, em particular no balanço global do COP28, e levar isso às realidades no terreno", afirmou. Amorim destacou que a adaptação precisa deixar de ser um apêndice da mitigação e se tornar parte central da transição energética e de desenvolvimento. "Não podemos esperar mais para investir em adaptação e resiliência. E isso é o que significa fazer a adaptação parte da transição", explicou.

Os números apresentados, que ilustram um abismo financeiro profundo, foram citados pela ministra do Meio Ambiente de Ruanda, Ruanda, Jeanne d'Arc Mujawamariya. Segundo ela, o continente africano necessita de pelo menos US$ 25 bilhões anuais apenas para adaptação.
Embora o fluxo total de financiamento climático para a África tenha aumentado 50% em 2022, segundo a ministra, a fatia destinada à adaptação ainda representa menos de um terço do total, uma quantia irrisória perante a necessidade. "E isso não é apenas um desgaste em números, é um desgaste em justiça", alertou a ministra ruandesa. Ela citou que comunidades por toda a África já vivem com inundações, desertificação e secas. “Elas não podem esperar por debates técnicos enquanto as suas vidas são sacrificadas", pontuou.
O embaixador do Zimbábue, Tadeous Chifamba, falou do sentimento, colocando a responsabilidade moral sobre os poluidores históricos: "Eles deveriam fazer sua parte. Mas é muito claro que eles estão dizendo que provavelmente não podem fazer mais do que estão fazendo atualmente, o que é muito menos do que as exigências", observou.
A visão estratégica de reclassificar a resiliência para capturar trilhões
A resposta mais contundente e prática sobre como fechar essa lacuna veio do setor de investimentos. Hubert Danso, presidente e CEO do Africa Investor Group, apresentou uma análise visionária. Ele argumentou que o problema central é filosófico. "Precisamos parar de tentar tornar o desenvolvimento 'investível' e começar a fazer investimento desenvolvimentista", defendeu.
Danso expôs uma contradição fundamental. Segundo ele, as instituições financeiras internacionais prometem centenas de bilhões, mas os 300 trilhões de dólares em capital institucional privado global — a verdadeira fonte de escala — permanecem largamente inacessíveis devido a estruturas inadequadas. "Estamos gastando 90% do nosso tempo com uma constituição que pode mobilizar 10% do capital, e menos de 10% com investidores institucionais que podem mobilizar 90%", criticou.
Para atrair essa massa de capital, Danso apresentou quatro recomendações estratégicas:
1. Tratar a resiliência como infraestrutura regulada: classificar defesas contra inundações, agricultura resiliente e sistemas hídricos como infraestrutura crítica, com proteções regulatórias equivalentes às de estradas ou redes elétricas. Isso forneceria a previsibilidade e segurança que investidores de longo prazo exigem.
2. Criar veículos de investimento com múltiplas atribuições: desenvolver instituições públicas que agreguem projetos de agricultura, seguros e cidades para diversificar os fluxos de receita e torná-los bancáveis.
3. Desenvolver produtos financeiros padronizados e negociáveis: incentivar a criação de títulos verdes (green bonds), instrumentos de adaptação e fundos paramétricos que sejam vinculados a sistemas de classificação que organizam informações globais.
4. Conectar chefes de Estado direto com quem controla grandes volumes de dinheiro — como fundos de investimento, bancos ou administradores de capital.
Por fim, Hubert Danso fez um apelo direto à presidência da COP30. "No caminho para a COP30, precisamos trazer chefes de Estado e governadores de bancos centrais para a mesa com aqueles que administram os grandes recursos financeiros mundiais, responsáveis pelos 300 trilhões de dólares".
O que isso representa para a África e para o mundo

A visão de Danso transcende o apelo por ajuda externa. É uma proposta para uma nova parceria econômica global que reconhece a resiliência climática não como um custo, mas como a maior oportunidade de investimento do século 21.
Para a África, esta mudança significa poder aceder ao capital necessário para construir infraestrutura vital, proteger suas economias e garantir um futuro para sua população jovem e crescente. Significa passar de um "lugar de déficit para um lugar de oportunidades", como definiu a ministra de Ruanda.
Para o mundo, a lição é de interdependência. Com 80% da economia africana dependendo da natureza e dos ecossistemas, os riscos são sistémicos. Danso citou que entre 2000 e 2019, 80 trilhões de dólares em atividade econômica global foram colocados em risco pela degradação ambiental, sendo 6 trilhões de dólares somente na África. Investir na adaptação africana, segundo ele, é investir na estabilidade e segurança econômica global.
O debate em Adis Abeba estabeleceu um marco, onde a COP30 no Brasil deve servir como teste definitivo para ver se o sistema climático global pode evoluir de um fórum de debate para uma plataforma de ação concreta. O sucesso, conforme os debatedores dos painéis, será medido pela capacidade de fazer o capital fluir para a linha de frente da crise do clima.