Campeões de Alto Nível do Clima: Quem também realiza as articulações entre governo e sociedade civil
Nos bastidores da diplomacia climática, eles articulam governos e setores estratégicos para concretizar os compromissos do Acordo de Paris.
By Maiva D´Auria | maiva.dauria@cop30.br
No centro dos esforços globais para enfrentar a mudança do clima, os Campeões de Alto Nível do Clima (Climate High-Level Champions) têm um papel fundamental: atuar como ponte entre governos e sociedade civil, articulando ações climáticas por parte de empresas, cidades, regiões e instituições financeiras, a fim de apoiar os governos no cumprimento das metas do Acordo de Paris. Com um papel estratégico, os Champions impulsionam iniciativas para ambição de mitigação e adaptação e para destravar recursos e mobilizar financiamento climático.
Os Campeões de Alto Nível foram criados em 2015, na COP21, e seus mandatos duram dois anos. Portanto, sempre há dois Campeões do Clima atuando simultaneamente – um da presidência atual da COP anterior e outro da presidência futura da COP em curso.
As atividades dos Campeões focam em apoiar a Presidência da COP para facilitar o diálogo e o engajamento de diferentes sectores da sociedade, por meio do fortalecimento de contribuições voluntárias e novas iniciativas e coalizões. Anualmente, os Campeões realizam um evento de alto nível com o Secretário Executivo da ONU para a Mudança do Clima e a presidência atual e a presidência futura da COP.
Vozes da liderança climática - conheça alguns dos Campeões Dan Ioschpe - Campeão de Alto Nível da COP30 - Brasil
Desde sua criação, nove líderes globais já ocuparam o cargo de Campeão de Alto Nível do Clima. Em 2 de abril de 2025, o Brasil passou a integrar esse seleto grupo com o anúncio do empresário Dan Ioschpe como novo representante. Presidente do conselho de administração da Iochpe-Maxion e membro dos conselhos da WEG, Marcopolo e Embraer, Ioschpe também atua como um dos vice-presidentes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Em 2024, liderou o Business 20 (B20) durante a presidência brasileira do G20.
Para Ioschpe, o papel dos Campeões de Alto Nível é essencial para aproximar diferentes setores da sociedade — como empresas, governos em várias esferas, academia, associações, sociedade civil e comunidades — das discussões climáticas. Ele acredita que, sem a participação ativa desses grupos, alcançar a meta de 1,3 trilhão de dólares em financiamento climático seria uma tarefa ainda mais desafiadora.

“Existem várias soluções e iniciativas interessantes em diversos setores, e no financiamento climático não é diferente”, afirma. “Há propostas criativas que evitam a dependência exclusiva de uma única fonte, como a tradicional lógica Norte-Sul. Vejo também um enorme potencial nas tecnologias financeiras. Na área florestal, por exemplo, já contamos com diversos mecanismos que, combinados, podem gerar excelentes resultados. A criatividade e a inovação são fundamentais nesse processo.”
Ioschpe também aponta qual, em sua visão, é o maior desafio da agenda climática: “Mobilizar toda a sociedade com o foco necessário para atingir as metas do Acordo de Paris. A urgência do tema é evidente, e a ação climática será crucial para evitar retrocessos significativos no desenvolvimento socioeconômico.”
Nigar Arpadarai - COP29 - Azerbaijão
Com uma trajetória marcada por 15 anos de atuação em organizações internacionais, esportes e telecomunicações, a parlamentar independente Nigar Arpadarai assumiu, em 2024, o papel de Campeã de Alto Nível da COP29, realizada em Baku, Azerbaijão. Quase um ano depois, ela compartilha uma das lições mais marcantes dessa experiência: perceber, na prática, o quanto o mundo está profundamente interligado. “Diante da crise climática, não há espaço para divisões — é um desafio global que exige união e ação conjunta”, afirma.
Durante seu mandato, Nigar se destacou pela mobilização de diferentes setores da sociedade em torno da agenda climática. Uma das iniciativas de maior alcance foi a campanha Impact Makers, criada para dar visibilidade a histórias inspiradoras de liderança e inovação em regiões, setores e comunidades diversas. “Quis destacar pessoas que, de forma silenciosa, estão promovendo mudanças reais em direção a um futuro resiliente, positivo para a natureza e com emissões líquidas zero”, explica.
Outro destaque foi a campanha Climate-Proofing SMEs (Proteção Climática para Pequenas e Médias Empresas), voltada para o fortalecimento desses empreendimentos na transição verde. Em parceria com 46 organizações, a iniciativa alcançou cerca de 90 milhões de negócios em mais de 100 países, com foco especial nos mercados emergentes e nas economias em desenvolvimento. “Essas empresas são peças-chave: respondem por cerca de 40% do PIB global e 90% dos empregos no mundo. Sua agilidade, capacidade de inovação e enraizamento local são essenciais. No entanto, suas vozes ainda são pouco ouvidas nos debates climáticos. Isso precisa mudar”, defende.
Para Nigar, a transformação climática ganha força no mundo real. Mudanças concretas motivam os governos a sonharem mais alto e a criarem as condições necessárias para transformar metas ambiciosas em realidade. “Cumprir o Acordo de Paris exige solidariedade global e uma transição ampla, ousada e sistêmica rumo a uma economia mais inclusiva e sustentável. Este ano é especialmente decisivo. Quanto mais os governos enxergarem mudanças econômicas palpáveis, mais motivados estarão para agir com coragem e compromisso”, avalia.

Razan Al Mubarak - COP28 - Emirados Árabes Unidos
Razan Al Mubarak tem uma jornada notável na conservação ambiental. Foi a segunda mulher, em 75 anos, a presidir a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e é também diretora fundadora do Fundo Mohamed bin Zayed para a Conservação de Espécies — iniciativa que já apoiou mais de 2.500 projetos em mais de 160 países.
Com esse currículo de peso, foi escolhida como uma das Campeãs de Alto Nível da COP28, realizada nos Emirados Árabes Unidos — e sua atuação esteve à altura. Uma das conquistas mais relevantes de seu mandato foi colocar a natureza no centro da agenda climática da conferência. A partir dali, florestas, ecossistemas e Povos Indígenas passaram a ser reconhecidos como elementos indispensáveis para o cumprimento do Acordo de Paris.
“Na COP28, estive ao lado do presidente Lula e da ministra Marina Silva para destacar o papel fundamental da natureza, das florestas e dos povos indígenas na ação climática. Também lançamos a Declaração Conjunta sobre Clima, Natureza e Pessoas — um passo importante na integração das agendas do clima, da biodiversidade e da desertificação”, contou Razan.
Apesar dos avanços, ela ressalta que o maior desafio dos Champions ainda persiste: transformar promessas em ações concretas. “Precisamos entregar resultados com mais rapidez, especialmente investindo em soluções baseadas na natureza e garantindo que essas ações aconteçam na base — na vida das pessoas — que é onde elas mais importam”, conclui.

Mahmoud Mohieldin - COP27 - Egito
Mahmoud Mohieldin é economista e reúne mais de 30 anos de experiência em finanças internacionais e desenvolvimento. Ex-ministro do Investimento do Egito e ex-vice-presidente sênior do Banco Mundial, na COP27 se tornou figura-chave na mobilização de contribuições de atores não estatais no enfrentamento da crise climática.
Para ele, o avanço da ação climática depende de uma abordagem multissetorial e integrada. “Diante de desafios cada vez mais complexos, a única forma viável de impulsionar a transição é por meio da complementaridade entre os esforços de diferentes setores — público, privado, sociedade civil, empresas, instituições internacionais e regionais, além de fundações filantrópicas”, defende.
Durante seu mandato, Mohieldin destacou a importância de entender o financiamento climático como uma extensão do financiamento ao desenvolvimento global. Para isso, ele defendeu a regionalização das ações climáticas — ou seja, adaptar os esforços às necessidades e aos desafios específicos de cada região e comunidade.

Com esse olhar, liderou duas iniciativas voltadas à viabilização de projetos climáticos e à atração de investimentos do setor privado. A primeira, em parceria com as Comissões Econômicas Regionais da ONU e com as presidências da COP27 e COP28, criou Plataformas Regionais para Projetos
Climáticos, que fortalecem as conexões entre governos, bancos e investidores. A segunda, no Egito, lançou a Iniciativa Nacional para Projetos Verdes e Inteligentes, conectando oferta e demanda por projetos sustentáveis de base local.
Ambas as iniciativas têm como objetivo central reduzir o déficit de financiamento climático e impulsionar um desenvolvimento mais sustentável e inclusivo.
Nigel Topping - COP26 - Reino Unido
Nigel Topping reúne ampla experiência na articulação de esforços entre o setor privado e os governos, com o objetivo de impulsionar ações concretas em prol do clima. É um dos fundadores da Ambition Loop, organização sem fins lucrativos dedicada a fomentar iniciativas sustentáveis que envolvem governos, sociedade civil e empresas. Durante a COP26, liderou o lançamento de campanhas globais de grande impacto, como a Race to Zero, Race to Resilience e a Aliança Financeira de Glasgow para Emissões Net Zero.
“O maior desafio continua sendo transformar ambição em implementação — de forma rápida, justa e em larga escala. Foi exatamente por isso que criamos a organização não governamental Ambition Loop, para apoiar mudanças sistêmicas conectando ideias ousadas com ações concretas”, disse.

Gonzalo Munoz - COP25 - Chile
Gonzalo Muñoz é muito mais do que um empresário: é um verdadeiro agente de transformação social e ambiental. No Chile, ele revolucionou o setor da reciclagem ao fundar, em 2009, uma empresa capaz de processar 90% dos resíduos sólidos domésticos, abrindo caminho para um futuro com menos desperdício e mais inovação sustentável. Seu protagonismo o levou a representar o Chile como Campeão de Alto Nível na COP25, cargo no qual também deixou marcas importantes.
“Em minha gestão, ajudamos a estabelecer uma arquitetura global de responsabilização e impulso, trazendo iniciativas como a campanha Race to Zero e a Race to Resilience para o centro dos esforços climáticos internacionais”, destaca Muñoz.

Laurance Tubiana- COP21 - França
Economista de formação, Laurance Tubiana foi peça-chave nas negociações para a aprovação do Acordo de Paris em 2015. Ela foi a primeira indicada a ocupar a posição de Campeã de Alto Nível do Clima. Com vasta experiência nos setores de energia, agricultura e desenvolvimento sustentável, ela atua diretamente com governos e a sociedade civil em iniciativas globais e regionais para a ação pelo clima. Atualmente ocupa a posição de CEO da Fundação Europeia do Clima e é professora da universidade Sciences Po, em Paris. Desde 2018, Laurance integra o Alto Conselho da França para a Mudança do Clima.
Desde que a figura dos Campeões de Alto Nível foi criada, líderes de diferentes partes do mundo têm contribuído para ampliar o engajamento global na agenda de ação climática. Entre eles, estão: Hakima El Haite (COP22 – Marrocos), H.E. Inia Seruiratu (COP23 – Fiji) e Tomasz Chruszczow (COP24 – Polônia). Cada um deixou sua marca nesse esforço coletivo por um futuro mais sustentável. Saiba mais aqui.
Diante do legado deixado, e ainda sendo construído por esses líderes globais, é essencial que todos — cidadãos, setor privado e poder público — assumam seu papel nessa jornada coletiva. A construção de um futuro sustentável e resiliente exige ações concretas no presente, desde a adoção de hábitos conscientes no cotidiano até o apoio a políticas públicas alinhadas com a agenda de ação climática.

Convocamos a população a somar esforços nessa causa, transformando compromissos em práticas reais. Juntos, podemos ampliar o impacto e garantir um meio ambiente equilibrado para as gerações atuais e futuras.