COP 30

Crise do clima afeta preços dos alimentos no supermercado

Especialistas destacam que a mudança do clima afeta o preço dos principais alimentos dos brasileiros. COP30 é a oportunidade de encontrar saídas para o cenário que tende a piorar com impactos inflacionários cada vez mais intensos

Em 2024, a inflação dos alimentos e bebidas fechou em 7,69%. A alta nos preços tem relação com a mudança do clima. Crédito: Getty Images
Em 2024, a inflação dos alimentos e bebidas fechou em 7,69%. A alta nos preços tem relação com a mudança do clima. Crédito: Getty Images

Por Thayara Martins | thayara.martins@presidencia.gov.br 

Liane Caroline dos Santos, 30 anos, é balconista de uma loja de variedades em Brasília/DF. Na sua visão, a inflação dos alimentos está fora do normal. “Você vai no mercado para fazer uma compra, gasta um absurdo e volta com uma sacolinha na mão com pouca coisa. O café, a carne, o arroz, um monte de coisa que a pessoa precisa para se alimentar todos os dias subiu muito de preço”, afirmou. Liane passou a comprar marcas diferentes e a economizar como pode para manter as contas da família em dia. “Para o trabalhador que ganha um salário-mínimo, paga aluguel, faz supermercado, não sobra nada. Tem que economizar mesmo”.

O índice geral de inflação no Brasil fechou 2024 em 4,83%, enquanto o setor de alimentação e bebidas registrou uma alta de 7,69%, acima do índice geral, de acordo com Fernando Gonçalves, gerente de Índice de Preços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2023, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) foi de 4,62%.

“Em 2024, ocorreram diferentes situações climáticas que contribuíram para a alta dos preços dos alimentos. No início do ano, houve a ocorrência mais intensa do El Niño e, em abril, as fortes chuvas no Rio Grande do Sul, importante estado produtor de diversos alimentos. No segundo semestre, ondas de calor e forte estiagem em muitas regiões do país”, explicou Fernando. Ele acrescentou ainda que além das questões climáticas, outros fatores podem influenciar os preços dos alimentos, como, por exemplo, a cotação das commodities alimentícias no mercado internacional e a taxa de câmbio.

Secas e o preço do café

Liane Caroline dos Santos é balconista e ganha um salário mínimo. Ela tem feito economia para equilibrar as contas diante dos altos preços dos alimentos. Crédito: Thayara Martins.
Liane Caroline dos Santos é balconista e ganha um salário mínimo. Ela tem feito economia para equilibrar as contas diante dos altos preços dos alimentos. Crédito: Thayara Martins.

Segundo o professor Gustavo Baptista, do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília (UnB), o ano de 2024 foi o mais quente já registrado, com uma temperatura de 1,6 grau acima da média do período pré-industrial e, em dezembro, extrapolou esse limiar, que é o patamar do Acordo de Paris. Além disso, o mês de janeiro já foi mais quente do que dezembro, ou seja, cada vez mais a temperatura bate recordes.

Os dados sobre o clima têm demonstrado gradativamente que existe pouca disponibilidade de água armazenada nos solos, por exemplo. Com a temperatura do meio ambiente aumentando, há a evaporação da água armazenada no solo e nas plantas e, com isso, a dificuldade para irrigar a terra e manter as plantas hidratadas. Esse processo prejudica as safras de alimentos como o café e o cacau, elevando os preços destes produtos no mercado. O estudioso cita que há dois anos a arroba do cacau (cerca de 15 kg) custava em torno de 200 reais. Hoje, sai por quase mil reais.

“Há uma necessidade de fornecer alimentos ao mercado e, ao mesmo tempo, há uma dificuldade de se produzir por conta da mudança do clima. Muita gente nega a existência dessas mudanças, mas quando a gente pensa no aspecto econômico, precisamos nos mexer rápido porque a economia entra em colapso se as pessoas não consomem”, afirma o professor Gustavo Baptista.

Para o especialista, a COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Clima), que acontecerá em Belém do Pará em novembro, é emblemática, pois deve discutir uma revisão do Acordo de Paris após 10 anos, já que alguns pontos acordados não foram cumpridos. 

“Será um momento extremamente importante e representativo porque o evento será na maior floresta equatorial do mundo. Não podemos esquecer que o planeta já passou por cinco grandes extinções, mas em nenhuma delas o agente responsável pela extinção é o mesmo a ser extinto. Nós somos o nosso meteorito. Então, ou a gente se movimenta e faz acontecer a partir dessas discussões ou caminhamos para uma situação bem complicada”, pontuou. 

O professor defende a criação de alternativas e o investimento em tecnologias para produzir de forma mais eficiente e gerar renda para as pessoas. Segundo Baptista, não adianta tentar reverter o processo de desmatamento sem criar um caminho para o indivíduo sobreviver. Por exemplo, ao invés de ter 1 hectare para produção de gado, desmatando para instalar o pasto, o ideal seria promover Sistemas Agroflorestais (SAF’s). 

Ele explica que, nesses sistemas, o produtor é estimulado a plantar café, açaí, cacau, banana, mandioca, e assim gerar recursos financeiros, commodities agrícolas, disponibilidade de produtos e, consequentemente, a redução dos preços dos alimentos. No entanto, há necessidade de uma intervenção mais ativa do Estado nesse processo.

Não se pode negar a nova realidade

Ana Toni, diretora-executiva da COP30 e Secretária Nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). Crédito: Ana Rosa Alves/MMA.
Ana Toni, diretora-executiva da COP30 e Secretária Nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). Crédito: Ana Rosa Alves/MMA.

Guilherme Mello, Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda do Brasil (MF), concorda que a adaptação à nova realidade exige investimento, novas tecnologias e instrumentos de financiamento para incentivar uma transformação ecológica. No Brasil, Mello mencionou diversos programas governamentais, como o Eco Invest, que visa atrair investimento estrangeiro para financiar projetos de desenvolvimento sustentável. Assim como investimentos em mitigação e adaptação à mudança do clima dentro do Plano Safra, projetos de energia renovável e o reforço ao Fundo Clima, para oferecer financiamento a taxas de juros mais baixas.

De acordo com o secretário, os Estados têm de estar preparados para se adaptar e criar instrumentos adequados para garantir segurança alimentar e hídrica. É importante também que os produtores rurais compreendam essa nova realidade e se preparem para ela.

“Se eu sou um produtor rural vivendo numa área com secas recorrentes, é muito importante que eu invista num sistema de irrigação e na melhoria da qualidade do meu solo. Porque é isso que vai me garantir uma certa proteção, uma certa resiliência contra a mudança do clima. E ao governo, cabe garantir que esse produtor invista de forma barata para adequar a sua propriedade. Negar essa nova realidade certamente não vai ajudar nem o produtor, nem o consumidor, nem o país”.

O secretário acredita que a COP30 será um encontro muito importante onde o mundo poderá discutir as maneiras mais eficientes de enfrentar esse processo e minimizar as perdas que já estão ocorrendo devido à mudança do clima.

Apostas na COP30

Ana Toni, diretora-executiva da COP30 e Secretária Nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), destaca que as consequências da alteração no clima para a inflação já foram calculadas pelo Banco Central Europeu (BCE) em 2023. Pesquisadores do BCE estimaram, com o uso de modelos climáticos e evidências empíricas para 121 países, que, na ausência de medidas de adaptação em larga escala, o aquecimento futuro causará aumentos globais na inflação anual de alimentos entre 0,92 e 3,23 pontos percentuais por ano e na inflação total de 0,32 a 1,18 pontos percentuais por ano até 2035, com impactos mais relevantes para os países do Sul Global.

“Em 2025, o Brasil terá a oportunidade, na COP30 em Belém, de dar continuidade ao importante debate que iniciou no G20, pois uma coisa já sabemos: infelizmente a situação climática tende a piorar nos próximos anos e seus impactos inflacionários serão cada vez mais intensos, com consequências distributivas significativas”.

Ana Toni defende que para fazer frente a esse desafio, a COP30 precisa marcar o início de uma nova década de ação climática, focada na implementação dos compromissos firmados desde a assinatura do Acordo de Paris em 2015. Além de alinhar os fluxos de financiamento e a política à meta de limitar o aquecimento médio do planeta a 1,5º C.