JOVEM CAMPEÃ

Marcele Oliveira: “O mutirão pelo clima é uma mudança de pensamento”

A jovem campeã do clima da COP 30 participará das negociações internacionais sobre o clima representando a juventude e a sociedade civil

Marcele Oliveira é a Jovem Campeã do Clima da COP 30 e acredita que o mutirão pelo clima auxiliará na mudança de pensamento e relação da sociedade com o meio ambiente. Crédito: Gabriel Della Giustina/COP 30
Marcele Oliveira é a Jovem Campeã do Clima da COP 30 e acredita que o mutirão pelo clima auxiliará na mudança de pensamento e relação da sociedade com o meio ambiente. Crédito: Gabriel Della Giustina/COP 30

Por Mayara Souto / mayara.souto@presidencia.gov.br

A jovem campeã do clima da COP 30, Marcele Oliveira, acredita que a proposta de um mutirão pelo clima é uma mudança de pensamento e da maneira com que a sociedade se relaciona com o meio ambiente. Em entrevista exclusiva para o site da COP 30, a ativista contou como vai atuar para representar a juventude nas negociações internacionais do clima.

Marcele foi escolhida entre 154 jovens que se inscreveram no Edital de Chamamento para o Jovem Campeão Climático, do governo federal. A função de jovem campeã climática foi articulada na COP 28 para ampliar a representação de jovens nas políticas climáticas e amplificar suas vozes nas presidências da COP e na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês).

Produtora cultural formada pela Universidade Federal Fluminense, Marcele pesquisa a interlocução entre práticas culturais e o combate às consequências da mudança do clima nas periferias, com foco em adaptação e educação climática. Ela também integra o programa Jovens Negociadores pelo Clima e participa das Conferências do Clima desde a COP 27, no Egito, através da Coalizão Clima É de Mudança e do Perifalab.

Leia abaixo a entrevista, na íntegra, com a jovem campeã climática da COP 30.

O que é ser a jovem campeã climática?

Marcele Oliveira — Esse cargo de jovem campeão climático foi uma articulação das juventudes globais pensando como a gente poderia incidir na pauta de crianças, adolescentes e suas famílias, pensando não só a estrutura da negociação e os temas prioritários de transição, de adaptação, financiamento, perdas e danos, mas também a estrutura da COP em si.

É um cargo que dialoga com a Constituinte de Crianças e Adolescentes, que é Youngo (na sigla em inglês), e também com a sociedade civil, para que as juventudes considerem que a gente está falando do nosso futuro. Entendo que a COP 30 é um processo até chegar lá. É uma proposta de que a gente faça esse espaço não começar e nem acabar no dia que começa e no dia que termina, que ele transborde para ação climática contínua e para pressão contínua.

Qual a importância de uma pessoa com a sua trajetória assumir esse posto?

Marcele Oliveira — Eu sou uma mulher negra, periférica, pesquisadora de cultura e clima e, nos últimos 5 anos, o ativismo climático floresceu em mim, a partir da minha atuação cultural e do racismo ambiental que existia no meu território. Eu entendi que é um papel de congregar ideias e não deixar que a burocracia mine a nossa criatividade, mine a nossa vontade de sonhar e de continuar pensando uma sociedade diferente.

A COP é o processo, ela não é nem o resultado final e nem a linha de chegada. Ela é um protocolo muito importante que foi criado para que os países pudessem falar sobre a questão da mudança do clima. Mas, é necessário muita pressão, é necessário muita gente, é necessário, de fato, um mutirão para que as negociações avancem

Acredito que essa figura de uma mulher negra no Brasil tem um impacto muito grande, mas não é eu, a pessoa Marcele. É essa ideia de construir junto com a nossa diversidade de biomas, junto com um time capacitado, junto com a presidência da COP 30 e junto com todas as pessoas que se interessarem pela ideia do mutirão pelo clima.

A COP é o processo, ela não é nem o resultado final e nem a linha de chegada. Ela é um protocolo muito importante que foi criado para que os países pudessem falar sobre a questão da mudança do clima. Mas, é necessário muita pressão, é necessário muita gente, é necessário, de fato, um mutirão para que as negociações avancem e para que esse assunto seja um assunto falado com a seriedade que ele representa para as nossas vidas. Combatendo, assim, a desinformação climática e alavancando a educação ambiental, principalmente, nas periferias, que são as mais impactadas pela mudança do clima.

Do Rio de Janeiro, Marcele Oliveira iniciou o ativismo climático dentro da própria comunidade, em Realengo, onde não existiam parques verdes. A iniciativa virou uma política pública da capital carioca. Crédito: Gabriel Della Giustina/COP 30
Do Rio de Janeiro, Marcele Oliveira iniciou o ativismo climático dentro da própria comunidade, em Realengo, onde não existiam parques verdes. A iniciativa virou uma política pública da capital carioca. Crédito: Gabriel Della Giustina/COP 30

E como esses impactos da mudança do clima são sentidos nas realidades da pessoa, especialmente, nas áreas periféricas?

Marcele Oliveira — Venho de um território em Realengo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde a gente teve uma luta histórica pela implementação de um parque verde e hoje ele não é só um parque, é uma política pública de parques urbanos e ecológicos nas periferias da cidade. Então, quando a gente fala de periferia, esse assunto dialoga muito com a existência dos corpos que estão hoje observando muita dificuldade na hora de imaginar o futuro.

Quando a gente fala de futuro, a gente está falando de algo que não está muito perto. A crise climática parece um assunto de amanhã, mas ela já é um assunto do hoje há muito tempo. Nas enchentes, nas ondas de calor. Quando a gente observa, por exemplo, o que aconteceu no Rio Grande do Sul, aqui no nosso país, parecia uma novidade para todo mundo, mas a ciência já previa que aquilo poderia acontecer.

O que falta é ação, é plano de adaptação. E que as escalas municipal, estadual e federal sejam também estimuladas a pensar que se a gente não tomar atitudes agora, essas consequências das mudanças climáticas vão afetar cada vez mais a todos nós, mas, principalmente, as pessoas mais vulneráveis. Então a gente está falando que a posição das juventudes nessa conversa é uma posição também de reivindicação para que essa transversalidade dos assuntos, quando falar da gente, tenha a nossa participação.

A presidência da COP 30 tem a intenção de convidar a comunidade internacional para um “mutirão” de enfrentamento à crise climática. Como você acredita que essa chamada pode ser feita, especialmente, para os jovens?

Marcele Oliveira — O mutirão global contra a mudança do clima não é uma ação de governo, não é uma ação relacionada somente com a COP, é uma ação de mudança de pensamento de como a gente se relaciona com os nossos biomas, com o nosso meio ambiente, com as políticas públicas que existem ou não, quando a gente está falando sobre a natureza.

Considerando que a UNICEF diz que as pessoas jovens vivem com mais de um risco climático no seu dia a dia, é muito difícil para mim olhar para esse assunto e achar que ele não está no dia a dia das pessoas. A gente sente as ondas de calor, a gente lida com as consequências das enchentes, a gente lida com insegurança alimentar, a gente observa o avanço da degradação do meio ambiente na forma de queimadas, da poluição dos rios. Então, não é uma novidade, não é um assunto novo. Quando você traz esse assunto falando daquilo que está no dia a dia das pessoas, as pessoas vão se engajar e vão topar estar mais próximas desse processo formal e protocolar que é a COP.

O mutirão global contra a mudança do clima não é uma ação de governo, não é uma ação relacionada somente com a COP, é uma ação de mudança de pensamento de como a gente se relaciona com os nossos biomas, com o nosso meio ambiente, com as políticas públicas que existem ou não, quando a gente está falando sobre a natureza

Então, uma COP 30 que é no Brasil, uma COP 30 que é na Amazônia, uma COP 30 que é na América Latina, é uma COP 30 onde a gente vai ter muitos reflexos além da negociação acontecendo. A gente está falando também da pressão de todas as pessoas que não vão estar na cidade de Belém, que não vão estar no estado do Pará, que sequer vão estar no Brasil, mas que vão apoiar a nossa ideia de um mutirão que acontece na forma como cada um pode contribuir. Pode ser através da poesia, da roda de rima, dos projetos de lei, da tecnologia… Então acho que não é dizer o que tem que ser feito, é ouvir o que está sendo feito e aprender cada vez mais com esse processo.

E qual você acredita que é o maior desafio da COP 30?

Marcele acredita que a COP 30 integrará mais as vozes da juventude e da periferia nos debates climáticos. Crédito: Gabriel Della Giustina/COP 30
Marcele acredita que a COP 30 integrará mais as vozes da juventude e da periferia nos debates climáticos. Crédito: Gabriel Della Giustina/COP 30

Marcele Oliveira — A forma como as COPs foram construídas até aqui, principalmente nos últimos três anos, que foram as COPs que eu participei presencialmente, a gente tem ali uma desconexão com o meio ambiente, com as pautas prioritárias da comunidade, da sociedade e das pessoas que mais pautam a questão climática no dia a dia.

Acho que a gente tem uma tarefa que é olhar para esse megaevento que vai acontecer aqui no nosso país com um olhar mais sensível. É uma COP que acontece dentro da Amazônia, no Brasil, na América Latina e eu acho que esses três panoramas são muito importantes porque são lugares que estão sendo extremamente afetados por decisões que não somos nós que tomamos. Quando a gente fala da priorização do Sul Global no debate, quando a gente fala da importância das vozes das juventudes, das crianças adolescentes e suas famílias, dessa congregação de esforços, a gente está falando de enfrentar um desafio que já está colocado e não foi enfrentado.

Então, a nossa posição é de enfrentar esse desafio de frente. Acredito que a COP 30 vai dar certo, não porque é um lugar especial, mas porque a presidência do Brasil na COP pode e vai fazer diferente, porque o amanhã já está aqui na nossa porta. O futuro tem que ser encarado com muita responsabilidade e a minha disposição é para defendê-lo sempre. O meu futuro e das pessoas que ainda virão, das crianças que estão observando a questão climática, sem ter tido sequer o direito de dar opinião sobre isso, das comunidades periféricas que estão colocadas em lugares que não tem nenhuma árvore. A COP 30 é também uma mudança de pensamento, uma mudança de visão de mundo.